s salários de servidores de nível superior no Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Norte atraíram a atenção da opinião pública na semana em que
o Judiciário divulgou a lista de vencimentos, cumprindo resolução do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Oficiais de Justiça tiveram, em
junho, média de remuneração liquida mensal de R$ 11.419,81 e os
Técnicos Judiciários de R$ 10.973,13. Comparados com um professor em fim
de carreira (nível 6/classe J), com salário base em torno de R$
3.900,00, ou com um médico em início de carreira nos hospitais públicos
(salário base de R$ 4.741,00 para 40h/semanais), os servidores no TJRN
estão "alguns degraus acima, em termos salariais, dos colegas de nível
superior" em outras categorias no serviço público.
A diferença
salarial tem explicação. Ela não é exclusiva de especificidades da
carreira do Judiciário nem ocorre em função da falta de valorização do
papel de outras categorias de servidores. É resultado de um mecanismo
criado em 1994 e ainda vigente. Trata-se da Gratificação de Técnico
Nível Superior (GTNS), implantada através da lei 6.719/1994 e que
garante ao servidor do Judiciário receber 100% sobre o salário base.
Júnior SantosDesde
o ano de 2008, servidores do Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Norte
recorrem à Justiça para ter
direito a receber gratificações que elevam
em 100% os salários pagos
O benefício é garantido a todos os
funcionários que ocupam cargos de nível superior e foi imaginado para
ter vida curta ou, pelo menos, até a elaboração e implantação de um
Plano de Cargos e Salários para os servidores do TJRN. Ganhou sobrevida
por um "lapso do legislador". Permaneceu "adormecido" por seis anos,
entre 2002 - quando foi implantado o Plano de Cargos e Salários no TJRN
- e 2008 - quando alguns servidores encontraram uma "brecha na lei" e
começaram a entrar com ações judiciais pedindo a aplicação do benefício.
Ganharam todas e, ainda hoje, o servidor de nível técnico que recorrer à
Justiça tem 100% de chances de obter exito.
As ações são
juridicamente possíveis porque em 2002 a Lei Complementar Estadual que
instituiu o Plano de Cargos e Vencimentos dos Servidores do Poder
Judiciário do Rio Grande do Norte, embora tenha estabelecido o
escalonamento salaria dos funcionários, não trouxe a revogação expressa
do que havia sido definido pela 6.719 de1994. A partir disso é que os
servidores começaram a recorrer ao Judiciário para implantarem o
benefício que garante a eles dobrarem os salários bases.
O
assunto é abordado com cautela e mesmo evitado pelos integrantes do
Tribunal de Justiça. A TRIBUNA DO NORTE tentou ouvir desembargadores,
juizes e assessores da presidência do TJRN, mas a Assessoria de Imprensa
informou que ninguém faria qualquer pronunciamento sobre o assunto.
No
âmbito do Executivo, de onde saem os recursos para o orçamento do
Judiciário, a postura é outra. "Esse é o maior escândalo de impacto
financeiro no Rio Grande do Norte", comenta o procurador geral do
Estado, Miguel Josino.
A indignação do procurador tem base em
fato concreto. Em decisão recente do TJRN, os Oficiais de Justiça, que
entraram no serviço público quando ainda não era exigido o nível
superior para o cargo, também ganharam o direito para aplicar a GTNS
sobre os salários bases. O argumento foi de que pelo princípio da
isonomia, como estão ocupando um cargo para o qual, atualmente, é
exigido nível superior, eles também teriam direito a gratificação. Nesse
recente julgamento, apenas um desembargador votou contra o pleito da
gratificação aos oficiais.
Negociação
Com
a decisão judicial favorecendo os oficiais de justiça que ingressaram
na carreira sem nível superior, a folha do Tribunal de Justiça terá um
acréscimo de R$ 4 milhões por ano. A categoria reivindica também um
atrasado que soma R$ 80 milhões, referente aos últimos cinco anos que
ficou sem a GTNS.
Mas, está em curso uma proposta dos
representantes dos oficiais de justiça para negociar os atrasados pela
implantação imediata da gratificação. "Não tenho autonomia para fazer
esse acordo. Preciso pedir autorização a presidente do Poder, que é a
desembargadora Judite Nunes", afirma Miguel Josino.
O
procurador-geral do Estado explica que em 1993 também foi criada lei
semelhante para beneficiar os servidores do Executivo. No entanto, a
concessão terminou em 1995, com lei proposta pelo então governador
Garibaldi Alves Filho, revogando a legislação que contemplava a
Gratificação de Técnico de Nível Superior.
No caso dos servidores
do TJRN, apenas uma lei, originária do próprio tribunal, pode acabar
com as novas concessões de GTNS aos servidores da casa. É o que
preconiza o princípio que estabelece que cada poder tem iniciativa
legislativa própria. "Isso é um ato (de emitir um projeto de lei que
acabe com a GTNS) que não me compete opinar porque diz respeito a um
assunto doméstico", esquiva-se Miguel Josino.
Mas, ele ressalta
que a Procuradoria chegou a criar um núcleo de recursos junto aos
tribunais superiores, para acompanhar as ações e tentar conter a
"sangria dos recursos", sem êxito. Nos tribunais superiores o recurso da
Procuradoria do Estado chegou a gerar multa pessoal aos procuradores,
que foram vistos como autores de "recursos meramente protelatórios".
Procurador alerta para alto custo do pagamento da gratificação polêmica
A
TRIBUNA DO NORTE teve acesso a um documento de 7 de outubro de 2009,
assinado pelo então presidente do TJRN, desembargador Rafael Godeiro. No
ofício 1.045/2009, endereçado ao ministro Eros Grau, do Supremo
Tribunal Federal, o desembargador, hoje afastado, faz uma ampla
explanação sobre a GTNS e conclui alertando para o alto gasto na folha
de pessoal do Judiciário potiguar, caso o benefício fosse concedido a
todos os servidores.
No documento, é possível observar as duas
correntes vigentes dentro do Tribunal de Justiça. A do grupo que defende
que a lei que criou a gratificação não foi revogada e daqueles
desembargadores que apontam para a possibilidade de uma "revogação
tácita".
O então presidente do TJRN, três anos atrás, é enfático:
"não resta dúvida sobre a vigência da lei número 6.373/1993 e suas
alterações posteriores, que se refere aos servidores do Poder Judiciário
do Rio Grande do Norte, não havendo que se falar em sua revogação pela
Lei Complementar 242/2002 (que fixou o Plano de Cargos) e nem tampouco
em absorção da GTNS pelo novo regime remuneratório por ela imposto".
Para acrescentar, mais na frente, argumentos contrários.
O
próprio desembargador Rafael Godeiro narra que os magistrados que
firmaram posicionamento contrário a concessão trazem como um dos
argumentos o fato de que a lei que criou o Plano de Cargos dos
Servidores do Tribunal de Justiça trouxe uma revogação tácita do
definido pela lei de 1994. "Os novos valores dos vencimentos -
determinadas na novel legislação que instituiu o Plano de Cargos e
Salários - foram levados em consideração, ou seja, aos valores antigos
já estavam incluídos os 100% daqueles funcionários à época", escreveu.
O
ofício de nove páginas não deixa dúvidas que o autor é contra a
continuidade da aplicação da GTNS. Rafael Godeiro observa que os
funcionários admitidos após o sanção da lei 242/2002 já foram nomeados
nos novos níveis salariais, o que não lhes garantiria a GTNS. "A
instituição de um novo regime jurídico para os servidores do Poder
Judiciário do Estado, através da Lei Complementar 242/2002, com a
regulamentação, inclusive de questões referentes à remuneração, revoga
as normas anteriores que concediam gratificações, inexistindo qualquer
ressalva na referida lei quanto à manutenção das gratificações dos
servidores", diz um dos trechos da correspondência encaminhada ao
ministro do Supremo Tribunal Federal.
Já naquela época, em 2009,
um ano depois dos servidores começarem a requerer judicialmente a GTNS,
Rafael Godeiro mostra que 837 funcionários haviam conseguido a GTNS,
acarretando um gasto de R$ 3,66 milhões aos cofres públicos. O então
presidente, concluiu o ofício informando que se todos os servidores
fossem beneficiados com o Mandado de Segurança o valor ultrapassaria os
R$ 10 milhões.
Apesar da divulgação da lista de salários pelo
TJRN, não foi possível a TRIBUNA DO NORTE apurar se a previsão de 2009
do desembargador Rafael Godeiro chegou a se concretizar. A lista não
especifica os valores referentes a GTNS, diferenciando-a de outras
vantagens. Essa seria uma das perguntas a ser feita à presidência do
TJRN na entrevista pedida. E não atendida.
TJ exclui benefício do cálculo da LRF
O
secretário estadual de Planejamento, Obery Rodrigues, observou que no
relatório de gestão fiscal, onde é calculado os gastos com pessoal para
fins da Lei de Responsabilidade Fiscal, o Tribunal de Justiça exclui o
gasto com as Gratificações de Técnico de Nível Superior (GTNS) do
cálculo feito para computar a folha de servidores. Embora afirme que não
lhe cabe sar uma opinião, o secretário "constata" que a despesa com
pessoal da Corte não inclui o benefício da gratificação paga.
"A
lei diz que decisão judicial cumprida há mais de um ano deve ser
colocada como despesa para efeito de dedução na Lei de Responsabilidade
Fiscal, mas não é isso que o Tribunal faz", observa Obery Rodrigues.
Ele
ressalta que o Tribunal de Justiça tem autonomia para implantar as
gratificações e ao Tesouro Público Estadual cabe fazer o repasse da
verba. Segundo dados publicados no Relatório de Gestão Fiscal do
Tribunal de Justiça, referente ao bimestre maio-junho de 2012, o gasto
com pessoal nesses dois meses foi de R$ 38.937.000. O valor na rubrica
de "sentenças judiciais" chegou a R$ 38.537.000.
Do documento,
também é possível observar que o Judiciário estadual já havia superado a
sua dotação orçamentária inicial para gasto com pessoal. A previsão era
em 2012 chegar a R$ 587.668.000. Mas a dotação atualizada já está em
587.097.667,55.
Entenda o que é a GTNS
1
Gratificação de Técnico de Nível Superior - garante vantagem de 100%
sobre os salários bases de todos os servidores do Tribunal de Justiça
que estão ocupando cargos para os quais é exigido nível superior.
2
A lei 6.373/1993 - definiu no artigo 3º "os técnicos de nível superior
perceberão gratificação especial no percentual de 30% do respectivo
salário básico".
3 A lei 6.485/1993 - elevou a gratificação para 50%,
4
Lei Estadual 6.719/1994 definiu a Gratificação Especial dos cargos de
nível superior do Poder Judiciário para 100% a partir de maio de 1994,
5
Lei Complementar Estadual 242/2002 - Instituiu o Plano de Cargos e
Vencimentos dos Servidores do Poder Judiciário do Rio Grande do Norte.